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Stelio Leonardo Teixeira, "O Bruxo”

Texto: Marcus André Teixeira


Figura 1: Stelio Leonardo.


A primeira recordação que tenho do meu pai é de 1973. Eu, meu irmão Leonardo, meu pai e minha mãe Anita. Ela na direção de um Fusca branco e meu pai no banco traseiro comigo e meu irmão. Na esquina da Rua Mena Barreto com a Rua Dona Mariana, minha mãe solta um sonoro “vai bater” seguido de um “segura minha Nossa Senhora”. E bateu!!!


O Fusca então foi virando, virando e capotou. Fusca, carro robusto, foi se arrastando um quarteirão inteiro até parar na esquina da Rua Sorocaba. E é justamente no meio dessa confusão que tenho minha recordação, em flash: eu agarrando a camisa do meu pai com estampa de argolas coloridas.


No jornal do dia seguinte, o acidente foi destaque com a manchete: “MULHERES BATEM DE FUSCA E CONGESTIONAM BOTAFOGO”, mas o mais interessante dessa história não é o acidente, nem minha mãe sendo retirada do carro com ajuda de populares, nem a coca-cola oferecida no bar da esquina a dois garotos assustados, mas sim o Fusca com sua mala dianteira repleta de lustres de vidro e ferro batido, última moda na época, que nada sofreram. Misteriosamente estavam intactos!!! Nossa Senhora segurou...


Minha infância foi maravilhosa ao lado do meu pai, brincávamos de tudo: Cabana, futebol, pipa e tantas outras coisas. Todos os sábados, íamos numa pequena loja de brinquedos na Rua Santa Clara em Copacabana comprar umas besteiras, nada caro ou excêntrico.


Meu pai fazia música pra tudo, até para comprar besteirinhas para os filhos: “Carrinho pro Marquinhos, bang-bang pro Leleo”. Mas o melhor era quando ele mostrava suas habilidades, dentre tantas, ele gostava muito de fazer o seu próprio jogo de botão. Ele pegava os botões da minha avó e os colava com vidrilhas de relógios velhos. Também tinha os feitos de coco, e estes eram um grande sucesso entre a garotada. Enquanto os garotos da época compravam jogo de botão na loja, eu tinha meu próprio time, fabricado pelo meu pai, os quais eu guardo com muito carinho até hoje.


Inventava super heróis como o Homem Linha e o Homem Folha, com poderes infinitos, eles nunca morriam!!!


À noite, pra fazer adormecer os filhos, ele contava as histórias mais malucas que uma pessoa pode imaginar, mas sempre com a aparição de personagens exóticos que ele criava.

Ele adora inventar contos que terminassem em um grande pum, sim a flatulência mesmo, ele morria de rir. Ao final da historia, mantendo a pompa e circunstância, apareciam dois personagens finais, o Príncipe (Leleo) e o Duque (Eu) devidamente caracterizados com as roupas, armas e chapéus.


Em família viajamos muito pelo Brasil, com apenas minha mãe dirigindo, pois meu pai nunca dirigiu um carro. Apenas falava: “Toca Anita”. Certa vez, um grande amigo do meu pai, Norberto, ficou doente e sem chance de cura e, por isso, fez um pedido ao meu pai: queria se despedir de todos os amigos que tinha feito durante a vida.


Meu pai, obviamente, arrumou as malas, pegou os filhos e disse: “Toca Anita, toca”. E lá fomos nós pelo interior de São Paulo, de casa em casa, do barraco ao palacete, literalmente.

Numa dessas paradas, em uma fazenda de um amigo, Norberto nos mostrou enormes sapos embaixo de uma lajota de granito. Eram os xodós do dono da fazenda, gostava mais dos sapos que dos bois, eram um amuleto.


Ocorre que uma noite choveu cântaros na fazenda e os sapos desapareceram!!! O homem ficou desesperado, inconsolável, mas meu pai falou: “Calma que os garotos vão encontrar seus sapos”, e dito e feito. No final da manhã, após brincar na lama e perder os chinelos, voltamos com os sapos do homem. Meu pai orgulhoso cutucou o Norbeto e disse: “Não falei?!”


Outra característica marcante do meu pai é que amava festas, festejou sua vida inteira.

Viveu a boemia carioca, o beco das garrafas, o surgimento da bossa nova e dizia ter visto a primeira apresentação da então desconhecida Elis Regina no Bar Little Club, quando cravou: “Essa menina vai longe”


Pros filhos fez as melhores e mais transadas “festas de papel”, como ele chamava, pros amigos fez as festas mais quentes e charmosas, como a famosa festa do Preto e Branco que parou o Rio de Janeiro. Botafoguense doente, ele mesmo verificava a entrada das pessoas, e sim, só entravam de preto e branco.


Gostava de culinária, da boa mesa e de um bom papo.

Aos domingos, como era tradição, íamos à casa da minha avó Olga, casa cheia e um falatório quase insuportável de vozes e tons. No Natal os decibéis iam a níveis não recomendados, mas tenho as melhores lembranças dessa época: A família, os primos e, obviamente e constantemente, os agregados.


Cozinhar para o meu pai era um prazer enorme, fazia o melhor cozido. A soupe à L’oignon (Sopa de Cebola), herança da sua tia-avó francesa Simone, era disputada. Inventava molhos como se fossem poções mágicas. Para cada carne assada feita, a sensação era diferente e surpreendente, sempre! Ele criava receitas e colocava nomes de pintores como o “Frango a Gauguin” e “Pudim Sorolla” feito de camarão e maionese caseira. O bife do meu pai sempre era, para mim, o mais gostoso. Eu sempre pedia um pedacinho do bife que ele estava comendo que, claro, ele me dava e falava em francês: “petites portions”.


Generoso, ajudou tantos amigos quanto pode. Agregador, era ele quem curava as feridas familiares. Corajoso, não permitia curvar- se a qualquer autoritarismo. Genioso a ponto de comprar brigas que jamais venceria. Inteligente, culto e com “tino” para os negócios, obteve enorme sucesso no mercado financeiro antes de, finalmente, se dedicar exclusivamente à arte.

Essa com certeza foi a melhor coisa que meu pai fez na vida. Foi galerista, dominou o mercado de molduras de fabricação própria, se dedicou à pintura e finalmente à restauração.


O mercado de arte, os leilões e exposições, o seu atelier, e tudo o que envolvia a arte, era ali o seu verdadeiro mundo.


Clássico na formação, fovista por vocação fez exposições de enorme sucesso. Lembro da minha mãe chegando a casa e dizendo: “Vendeu tudo Stelio, vamos pra Nova Iorque”.


Na restauração foi um craque, e se gabava: “Meu atelier restaura duzentos quadros por ano”. Não é mentira, posso provar.


Meu pai amou e foi amado, viveu intensamente cada momento da vida, fez o que deveria ter feito sem arrependimentos, mas também chorou e sofreu cada perda e desilusão e costumava dizer que a ingratidão era o pior dos defeitos.


Falava da morte com naturalidade e, muitas vezes, com ironia. Repetiu inúmeras vezes à neta Catarina que um dia iria para a nuvem.


Meu pai se despediu sereno e em casa no dia 13.03.2013 às 23 horas. Cabalístico não?!


Não sei, mas meu pai vive em cada lembrança, em cada memória e em cada novo dia. Repetia com freqüência que a vida continua. Porque Bruxo não morre, Bruxo vai pra nuvem!!!

Do seu amado filho,


Marcus André Teixeira.





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